Gérson, o Canhotinha de Ouro, foi o maestro do tricampeonato em 1970

Gérson, o Canhotinha de Ouro, foi o maestro do tricampeonato em 1970

Maestro do tricampeonato do Brasil conta histórias de sua brilhante carreira. Veja o vídeo

LUIZ AUGUSTO NUNES

Gérson recebeu o site da CBF. Durante mais de uma hora, falou do futebol com o conhecimento de causa de quem foi craque e ídolo de várias gerações e com a intimidade de quem sempre tratou a bola com zelo e carinho.

O Canhotinha de Ouro foi um dos maiores jogadores de meio-campo que o mundo produziu. Sem exagero. Na conversa, em que brilhou como se estivesse fazendo um lançamento perfeito - sua marca registrada - ele também se emocionou várias vezes. Talvez de saudade de uma época de ouro do nosso futebol.  

Os três grandes mestres: Didi, Zizinho e Jair da Rosa Pinto 

Gérson Oliveira Nunes nasceu em Niterói e começou a jogar futebol no Canto do Rio, o clube da cidade que disputou por muitos anos o Campeonato Carioca.

Já menino, se destacava pela qualidade que viria ser a sua maior virtude no futebol: a precisão - cirúrgica - dos seus lançamentos. O repórter diz ao craque, com convicção, que ele foi o maior lançador do futebol brasileiro.

- Não sei fui o melhor, pois havia um, que foi meu mestre, e com quem joguei ao lado no Botafogo: Didi, que me ensinou tudo. Aliás, tive dois outros grandes mestres, o que considero um privilégio: Zizinho e Jair da Rosa Pinto.

Gérson é modesto, mas consciente do tamanho que seu futebol alcançou, do craque que fazia a diferença que realmente foi. Convidado por Modesto Bria -  um paraguaio que foi tricampeão pelo Flamengo e depois virou técnico - foi treinar na Gávea em 1957 e imediatamente ganhou uma vaga no ataque do juvenil.

- Já comecei sendo tricampeão em um time que tinha grandes jogadores. E fui o artilheiro.

A arte de fazer lançamentos perfeitos e consagrar artilheiros

Havia também essa qualidade. Gérson fazia muitos gols, com sua canhota que era potente e também bem colocada. Vários gols de falta, outros de fora ou próximo da área, como aconteceu no segundo gol marcado na decisão de 1970 nos 4 a 1 sobre a Itália.

- Mas o que eu gostava mesmo era de fazer lançamentos, de deixar o companheiro em condições de marcar. Muito mais do que eu mesmo fazer o gol.

Gérson consagrou muitos artilheiros durante suas passagens por Botafogo e São Paulo - nos dois últimos clubes esteva no auge da carreira. Roberto e Jairzinho no Botafogo - este último, também na Seleção Brasileira - e até pontas-direitas que não jogavam exatamente um futebol de primeira, como Terto e Paulo, no tricolor paulista, cansaram de marcar gols servido pelo genial camisa 8 (no Botafogo) e 10 (no São Paulo).

Detalhista, gestos largos sobre e mesa para explicar o seu posicionamento e dos companheiros em campo, ele explicou como sabia o exato momento de fazer o lançamento.

- No Botafogo, eu lançava o Jair e o Roberto pelo meio. Mas na Seleção de 70, tínhamos uma maneira de jogar, em que o Pelé e o Tostão voltavam, e abriam espaço para o Jairzinho, que tinha muita velocidade e já sabia o lugar exato aonde a bola ia. 

Foi desse jeito que Jairzinho marcou o segundo gol contra a Tchecoslováquia, um dos mais bonitos da Copa de 1970. Depois de receber o lançamento longo do Canhota, ficou cara a cara com o goleiro. 

- Foi só dar o lençol no goleiro e tocar para a rede - lembra Gérson.

Pelé pensava 100 anos na frente da maioria

Com Pelé, Gérson tinha - por mais que incrível que pareça - uma dificuldade a mais para fazer o lançamento perfeito.

- O Pelé pensava 10 minutos na frente de alguns; 10 anos na frente de outros e 100 anos na frente da maioria.  Ele tinha uma capacidade incrível de intuir o lance, de pensar e agir na frente dos adversários e dos próprios companheiros.

Tanto era assim que, no famoso lance em que Pelé tentou encobriu o goleiro da Tchecoslováquia, em chute quase do meio-campo, na estreia da Copa, Gérson chegou a pensar em reclamar do Rei.

 - Cobraram o tiro de meta, na direção dele, então eu disse: "Tá só, tá só', alertando para dominar e sair jogando. Só que, como ele pensava na frente, já tinha visto o goleiro tcheco adiantado e emendou de primeira. Aí foi aquela correria do goleiro, a bola quase entrou, em um lance que ninguém anteviu. Só me restou bater palma, ao invés de reclamar.

Na Copa de 1970, Gérson fez três lançamentos milimétricos para Pelé, que resultaram em gol. Primeiro, ainda no jogo contra a Tchecoslováquia, em que a sua canhota fez a bola descrever uma curva que enganou o zagueiro e caiu "colada" no peito do Rei – daí para o chute de primeira e bola na rede.

O segundo na decisão da Itália, de maneira idêntica, mas que Pelé não concluiu - preferiu o passe de cabeça para Jairzinho fazer o terceiro gol.

- No vestiário, falei com ele: "Poxa, por que você não chutou a gol, o lançamento foi idêntico ao contra os tchecos. Aí ele explicou. Não dava, o zagueiro estava mais encostado, ia travar o chute" - o Pelé sabia tudo.

Gérson tem orgulho de ser tricampeão do mundo. Sobretudo por ter feito parte de um time considerado de sonhos, cheio de craques que podiam resolver, mas que tinha também um entrosamento, uma maneira de jogar quase perfeita.

Saldanha, Zagalo e Tostão que, a "meia bomba", jogou muito 

Um time que começou a ser montado em uma excursão à Europa em 1968, como lembra Gérson, em seguida por João Saldanha, que terminou as Eliminatórias, em 1969, invicto, com seis vitórias em seis jogos.

- O João era um grande amigo, conhecia tudo de ambiente do futebol, já tinha sido técnico campeão pelo Botafogo e foi jogador na juventude. Dialogava com a gente, discutíamos a melhor maneira de jogar, era à época a pessoa indicada para dirigir a Seleção. Já assumiu anunciando seus 11 titulares. Gostava de futebol ofensivo, com o Jair e o Edu pelas pontas. Além de tudo, tinha o apoio da imprensa, porque entre os jornalistas ele era o "papa".

Saldanha foi demitido, Zagalo assumiu. Tostão teve problema com o olho lesionado, teve de ser operado em Houston, nos EUA, mas consegui disputar a Copa – "a meia bomba", segundo Gérson.

- Imagina se ele tivesse em perfeitas condições! Com o olho machucado, ele já jogou aquilo, imagina se estivesse em perfeitas condições! 

Gérson conta que Zagalo mexeu no time, organizou outra estrutura tática, mas manteve a base e o comportamento de dialogar com o grupo para encontrar a melhor maneira de enfrentar os adversários.

- Ele recuou o Piazza para zagueiro e escalou um ponta recuado, mais ao seu estilo. Entrou então o Rivelino, que não ficava parado na ponta, vinha um pouco mais pelo meio, pela esquerda, para aproveitar o seu chute, que era mortal.

A espetacular vitória de 4 a 1 sobre a Itália - conta o Canhotinha de Ouro - começou a se construída na véspera do jogo, na preleção.

- O Parreira e o Rogério (que era o ponta-direita, mas fora cortado por contusão  às vésperas da Copa) fotografaram o jogo da semifinal entre Itália e Alemanha. Então sabíamos direitinho como a Itália jogava, marcando homem a homem.

Logo no início do jogo, Zagalo testou os italianos para comprovar se eles repetiriam contra o Brasil a tradicional marcação.

- Ele mandou o Jairzinho e o Rivelino trocarem de posição. Não deu outra: o Facchetti acompanhou o Jairzinho e virou lateral-direito, e o Burgnich acompanhou o Rivelino, virando lateral-esquerdo. Eles trocaram de lado também. Aí foi só a gente fazer o que estava combinado e os gols saíram do jeito que estava ensaiado.

Pelé, Mané Garrincha e uma seleção de "outro planeta"

Na Seleção Brasileira desde 1961, quando era recém-titular no time do Flamengo, tamanha a sua qualidade, Gérson chegou à Copa do Mundo de 1966 cercado de grande expectativa. Mas naquele Mundial nada deu certo. 

- Foi uma bagunça danada. Rodamos esse país todo durante três meses, treinando e jogando, com quatro seleções formadas.

Quatro anos depois, com 29 anos, já sabendo que certamente seria na Itália a sua última Copa, e ainda em grande forma, não teve jeito. O Brasil encantou o mundo com um time que para ser "de outro planeta" só faltava ter Garrincha no grupo.

- Aí seria covardia. Com o Mané naquela Seleção, os adversários não entrariam em campo. Com medo.  

Falar em Mané Garrincha dá alegria e saudade em Gérson. Ele fica emocionado. 

- Até hoje eu fico em dúvida sobre quem foi o maior: Pelé ou Garrincha. O Rei era intuitivo, um atleta completo, com todas as virtudes. Já o Mané era desconcertante, você não sabia o que ele ia fazer. Era impossível marcá-lo. Eu mesmo sofri com os dribles dele na decisão do Campeonato Carioca de 1962. (*)

Aos 73 anos, Gérson tem saudade do tempo do futebol. Volta a se emocionar ao lembrar antigos companheiros, de relembrar tantos casos. Para não ficar longe da bola que tanto amou, comanda um projeto social em bairros carentes, para ensinar a centenas de crianças a arte de bater na bola.

- Toco o projeto junto com a minha filha e meu genro. Estou todo dia nos lugares mais carentes e abandonados de Niterói.  

* Gérson era meia-armador do Flamengo durante todo o Campeonato Estadual de 1962 e o maior destaque do time que chegou à decisão contra o Botafogo de Garrincha e Cia, precisando do empate para ser campeão. Dias antes do jogo, Flávio Costa, então treinador rubro-negro, resolveu escalar Gérson na ponta-esquerda com a tarefa de ajudar a marcar Garrincha - sem sucesso, logicamente, e o Flamengo foi derrotado por 3 a 0.  

 

 

 

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